Diretas já*?

Luis Felipe Miguel

Ao longo de todo o processo da deposição de Dilma, não julguei adequada a bandeira das "Diretas já". Afinal, a ideia era manter a legalidade nos trilhos - portanto, respeitar as regras do jogo. Retirar a presidente no exercício do mandato, mesmo que com a convocação de novas eleições, seria violá-las.
Agora, a legalidade já descarrilhou mesmo. "Diretas já" parece ser a bandeira que mais facilmente reúne o sentimento de oposição ao governo Temer e assinala o caráter ilegítimo e antipopular da usurpação.

Ainda assim, é necessário tomar certos cuidados. O golpe de abril/agosto de 2016 simplesmente escancarou a podridão do sistema político brasileiro. De que serviria uma eventual eleição direta para a Presidência da República, mantendo intocados o Congresso e o Judiciário - sem falar na mídia?
Voltaremos à ilusão de que a conquista da chefia do Executivo é a conquista do "poder"? Tomada ao pé da letra, a reivindicação por "Diretas já" nos dá muito pouco, sobretudo se interpretada como eleição apenas para presidente.

O chamado às urnas é a maneira "clássica" de relegitimar sistemas políticos cuja legitimidade está ameaçada. Mas imagino que voltar a dar legitimidade para o sistema político que temos não é o objetivo de quem está protestando contra Temer. No final das contas, seria estranho se o povo fosse às ruas tendo como única meta voltar à participação limitada do voto.

Na campanha das diretas de 1984, o slogan das "Diretas já" encapsulava uma reivindicação muito clara, que era o fim da ditadura. Agora, nem tanto. Acho que o "Diretas já" de hoje precisa de um asterisco, remetendo a uma nota explicativa. "Diretas já" contra a usurpação do poder, contra um regime em que uma minoria de poderosos se sobrepõe à vontade popular, contra a violência de Estado que se manifesta quer na repressão, quer na retração de direitos. "Diretas já" pela democratização efetiva do sistema político. Eleições são necessárias, mas não bastam: queremos democracia, já.

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