Pesquisa Datafolha confirma imbecilidade incomparável do brasileiro

Luis Felipe Miguel

A pesquisa do Datafolha revela duas coisas. A primeira e mais óbvia é a atualidade da observação de Marx, de que a religião servia como "ópio do povo". Uma larga fatia dos mais ferrados é levada a crer que a saída para sua situação é ter mais fé - e não mudar o mundo. Tenho visto muita gente falando que a esquerda precisa repensar seu preconceito contra a religiosidade popular e aprender a dialogar com ela. Até concordo. Mas não dá para esquecer que essa religiosidade é em grande medida construída como uma rede de proteção ao status quo e, portanto, uma política de esquerda tem necessariamente que confrontar esse sistema de crenças.

O outro aspecto relevante se liga à discussão que Pierre Bourdieu fazia sobre as pesquisas de opinião. Contra o fetichismo do survey nas ciências sociais, em particular na ciência política, ele observava que uma pesquisa não colhe uma "opinião". Colhe uma resposta a uma pergunta, muitas vezes uma pergunta que está longe do universo de preocupações dos entrevistados. Entre essa resposta e as crenças ou percepções que de fato orientam o comportamento dos agentes há um caminho que pode ser menor ou maior e que precisa ser percorrido por outras formas de observação sociológica.

Quando 23% dos que se dizem ateus atribuem sua condição financeira a Deus, parece que há um ruído grande na resposta ao survey. Das duas uma: ou as respostas às perguntas são dadas de forma negligente, sem prestar atenção a elas, ou o mundo mental dos informantes é mais complexo do que o cartesianismo pressuposto no instrumento da pesquisa de opinião (dou uma resposta, logo tenho uma opinião; tenho uma opinião, logo me comporto de forma coerente com ela). Incapaz de dar passos nessa compreensão, a interpretação da pesquisa Datafolha fica apenas no registro da bizarrice dos respondentes.

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