Reinaldo Del Dotore
E eis que Lula compareceu à posse da ministra Cármen Lúcia na presidência do STF.
Há diversos argumentos favoráveis à atitude dele.
Muitos alegam que "ele foi convidado, pois foi quem indicou a ministra". Bem, eu frequentemente sou convidado a determinados eventos, mas, após avaliar os prós e contras, declino elegantemente.
Outro argumento (e este é, a meu ver, o mais equivocado) é: ele está fazendo "política de boa vizinhança".
Como eu afirmei anteriormente, Lula, a despeito do despeito de milhares de cidadãos-de-bem(ns), é um sujeito extremamente inteligente. Talvez ele desconheça a fórmula do cálculo do volume do cilindro e não saiba identificar ligações iônicas e covalentes, mas eu, que até conheço essas relativas inutilidades, não ousaria me comparar a ele em termos de inteligência "lato sensu".
Pois bem. Lula, um cidadão inteligente (e politicamente um dos mais inteligentes que há), já deveria ter aprendido que não há conciliação de longo prazo possível com a elite tupiniquim - e por "elite" eu compreendo aquele punhado de pessoas que têm o poder de mudar rumos no país e excluo aqueles que possuem apenas dinheiro e patrimônio, ainda que relevantes.
Lula passou oito anos governando com um olho no peixe outro no gato.
Implementou
importantes políticas de cunho eminentemente trabalhista e/ou social democrata (nada desse "comunismo" ou "socialismo" alegado por cidadãos que conhecem tanto o comunismo e o socialismo quanto conhecem o volume do cilindro ou as ligações covalentes), que começam a ser destruídas por um governo sem votos. Por outro lado, jamais deixou de atender aos interesses dessa elite: nunca, por exemplo, atacou as bases do rentismo nem ousou cutucar a lógica tributária regressiva e inigualitária que conduz nosso país firmemente rumo ao passado.
De conciliação em conciliação, já lá se vão 516 anos.
Dilma, que herdou de Lula a lógica administrativa já sedimentada, igualmente se omitiu em questionar privilégios aberrantes dessa elite. Até houve um momento em que ela forçou, via bancos públicos, uma derrubada dos juros da economia (e ninguém me convence de que este não foi o começo do fim de Dilma), mas essa ousadia impertinente logo foi dinamitada: havia muito dinheiro a fluir para o lado de cima. Em 2015, por outro lado, Dilma, num rasgo de desespero para salvar seu mandato, aprofundou o cafuné na cabeça da elite de uma forma inacreditável: implementou medidas de "ajuste" semelhantes àquelas que estão destruindo a maior parte da Europa há anos. Nada disso adiantou, como bem sabemos.
Em suma: a elite (repito: a elite mesmo, não os frequentadores de Miami) até pode dar alguns anos de relativa trégua, mas cedo ou tarde desce a borduna. O golpe paraguaio que defenestrou Dilma (e defenestrou 54 milhões de votos) é prova eloquente disso - por mais que se tente dar algum supedâneo técnico à pornografia institucional que ora vigora.
Lula já deveria ter aprendido que o único caminho possível é o respaldo popular: aqueles milhões de votos que carrega no bolso desde quase sempre, e não os tradicionais goles de whisky cercado de togas e os tapinhas nas costas de escorpiões que, mais cedo ou mais tarde, vão ferroar o sapo.
De conciliação em conciliação, já lá se vão 516 anos.