A combinação de estupidez, ignorância, alienação e má fé tem produzido coisas espantosas.
Por exemplo, os comentários sobre as atividades "úteis", como a engenharia, a medicina, etc., que desqualifica as chamadas ciências humanas. Seria interessante indagar, afinal, se não é "útil" entender como funciona a sociedade, como se estrutura, como se formam as engrenagens que fazem o mundo ser como é, e como é necessário e possível transformá-lo em algo menos injusto.
A propósito, lembro sempre da maneira pela qual Marilena Chaui concluiu a introdução do seu "Convite à Filosofia", livro básico lançado há mais de vinte anos, que ironiza a velha definição de filosofia como "a atividade com a qual e sem a qual o mundo continua tal e qual". E trata, então, da "inutilidade" da filosofia:
"Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes".
Mas talvez a clareza dos argumentos esbarre naquilo que João Saldanha definiu como "burrice siderúrgica": quando a cabeça está blindada, não há muito o que fazer.
Talvez por isso proliferem agora manifestações laudatórias da decisão do STF de acabar, na prática, com o direito de greve dos servidores públicos: que absurdo as pessoas receberem sem trabalhar, não é?
É claro que essa justificativa ignora, antes de mais nada, que o trabalho é dobrado após as greves, e que, no caso das instituições públicas de ensino, o calendário é modificado para a reposição das aulas. Portanto, os servidores em greve estão bem longe do que o psicodélico ministro definiu como "férias remuneradas".
Mas a justificativa ignora algo ainda pior. Pois, se não devemos ganhar sem trabalhar, não sei como podemos receber 13º e férias. Afinal, não há um 13º mês no calendário, e durante as férias, por óbvio, não trabalhamos.
Quem sabe devêssemos rever esse absurdo?