A imprensa escrita brasileira caminha inexoravelmente para sua desaparição

A crise da mídia pelo seu desprestígio
Emir Sader

A mídia brasileira se refugia no fenômeno mundial de enfraquecimento dos jornais e revistas diante da internet para fugir da razão específica que fez com que a crise da mídia no Brasil tivesse sido mais rápida e acentuada: sua perda de prestígio, de credibilidade.

Até um certo momento, os jornais e algumas revistas abrigavam certo nível de informação com alguma objetividade, pontos de vista diferentes, tinham utilidade mesmo para quem não concordasse com a opinião dos seus proprietários. Estes a expressavam de forma concentrada nos seus editoriais e na escolha da maioria dos colaboradores, assim como nos temas abordados pelas publicações, mas sem um postura militante, partidária.

A partir do fracasso do governo de FHC e do sucesso do governo Lula, a mídia brasileira foi perdendo a compostura. Não conseguia entender o que acontecia no país.

A conversa com Lula na Folha, ainda na campanha eleitoral, foi simbólica: Otavinho Frias perguntou ao então candidato como ele queria ser presidente do Brasil, se não sabia falar inglês. Lula se levantou e foi embora. E passou a dizer que ia demonstrar que se podia governar o Brasil sem almoçar e jantar com os donos dos meios de comunicação. A conversa revelava também o preconceito e o clichê com que os meios de comunicação encaravam a ascensão de Lula à presidência. Não podiam tolerar que uma pessoa com todas as características que, segundo eles, seriam necessárias para governar o Brasil, como FHC, tinha fracassado, e Lula se atrevia a sucedê-lo e tentar dar certo.

O fracasso de FHC e o sucesso de Lula nunca desceu pela garganta dos donos da mídia. Auguravam um fracasso imediato de Lula – junto com a ultra esquerda – e, quando isso não se configurava, trataram de derrubá-lo, com as denúncias do "mensalão", com as quais pretendiam definir o caráter do governo Lula e derrubá-lo. Tudo o que se referia ao PT passou a ser coberto sob a rubrica do "mensalão".

Não se atreveram a tentar o impeachment, com medo das reações populares, depois que Lula fez um apelo aos movimentos sociais para resistir à tentativa de derrubá-lo. Optaram por sangrá-lo, até derrubá-lo nas eleições de 2006. Não tinham olhos para ver as consequências das transformações sociais que os programas do governo estavam levando a cabo. Diante da derrota, na primeira reunião de redação da Folha, Otavinho Frias, furioso, dava volta à mesa e a golpeava, se perguntando: "Onde é que nós erramos, onde é que nós erramos?"

Erraram, sobretudo, em não entender que num país dirigido por eles, como o de gigantescas desigualdades, a questão definitiva era priorizar as políticas sociais, para atender aos setores que os governos deles nunca tinham atendido, relegando-os à exclusão social permanente.

A partir dali houve um reconhecimento do efeito das políticas sociais, mas da mesma forma que a direita se referia às políticas sociais de Getúlio Vargas. Nas palavras de Gilmar Mendes, o mais conspícuo representante da direita atual se trataria de "comprar os pobres". E, como se acrescentou depois, usando dinheiro canalizado da corrupção de empresas estatais. Em suma, a mais importante transformação social da história do Brasil ficou reduzida a uma farsa, que era preciso denunciar, desmascarar e condenar os responsáveis por ela: o PT e Lula, o seu principal líder, em primeiro lugar.

A mídia foi a ponta de lança dessa operação monstruosa de desmonte do que tínhamos de democracia no Brasil, conquistado contra a direita e contra a mídia. Se perdeu totalmente nas campanhas eleitorais, em que funcionava como quartel general dos candidatos da direita e na ação de desestabilização dos governos. Quem poderia seguira comprando essas revistas e jornais, que não estivesse totalmente alinhado com sua linha tresloucada de ataque estilo guerra fria ao governo, ao PT, a Lula? Só poderia acelerar a perda de leitores, pela adesão militante à extrema direita.

Se há uma crise mundial da mídia, publicações que mantêm sua função pública, como The Guardian, New York Times, Le Monde, entre outros, sobrevivem, apesar do declínio. Porque mantêm o maior patrimônio da mídia: a credibilidade.

Quando o Le Monde fez autocrítica pública em editorial por ter acreditado na imprensa brasileira, passou certificado de validade mundial sobre a perda de respeito da mídia brasileira. Quando a mídia internacional veio e se deu conta das versões mentirosas da mídia brasileira, se consolidou essa condenação unânime do golpe no Brasil, contra as versões que haviam prevalecido inicialmente da mídia daqui.

Hoje a imprensa escrita brasileira caminha inexoravelmente para sua desaparição. É só questão de tempo para que alguns dos jornalões e revistas decidam só sair via internet. A queda de tiragem, de publicidade e, principalmente, de credibilidade desses meios os condena à desaparição. Sua escolha ideológica e política, dissociando-se do Brasil real, os condenaram a isso.

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