Xadrez do marco zero das esquerdas
O Xadrez do Golpe
Luis Nassif
O Xadrez do Golpe
Luis Nassif
As eleições municipais simbolizam um marco zero para as esquerdas, de fim da era de predomínio absoluto do PT.
O partido nasceu moderno nos anos 80, como uma confluência de coletivos.
Nos anos 90 amoldou-se para a luta política convencional, revendo dogmas, aplainando radicalismos estéreis. Mas, para tanto, recorreu a um centralismo que pouco a pouco foi inibindo o protagonismo dos coletivos.
Com a chegada ao poder, tentou manobrar as ferramentas de luta institucional. Nesse período, perdeu quatro elementos centrais: José Genoíno e Luiz Gushiken, tragados pela AP 470; o ex-Ministro Márcio Thomaz Bastos; manteve ainda José Dirceu atuando como eminência parda, mas sem dispor mais das ferramentas institucionais e afastado do centro de poder pelo isolamento a que foi confinado pelo governo Dilma, crítica de seus métodos.
Finalmente, no governo Dilma Rousseff perdeu a identidade ideológica.
Assim, ocorreu uma quádrupla derrota nos campos político, institucional, midiático e ideológico. A esquerda terá que ser refundada.
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Peça 2 - a mediocridade da direita
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...a direita brasileira não se mostra capaz de desenhar um projeto minimamente articulado de país.
Nos anos 90, embarcou na onda Reagan-Thatcher, que começava a dominar o mundo pós-muro de Berlim. Agora, nada tem, nem utopias globais às quais recorrer. Atualmente único fator de aglutinação é atacar a velha esquerda e exalar toda forma de preconceito. E importar das ondas globais a intolerância mais retrógrada.
Terá vida curta. Sua única saída será ampliar o Estado de Exceção. Mas mesmo para isso teria que dispor de características morais e de capacidade de desenhar o futuro. Só com mesóclises será insuficiente..
Portanto o novo tempo do jogo está próximo, de menos de uma década, com novos atores que ainda estão em formação.
Peça 3 - a ampliação do estado de exceção
Antes de ingressar no novo tempo político, há o enorme desafio de enfrentar a maré do Estado de Exceção.
Quando comecei a apontar a participação do PGR Rodrigo Janot no golpe, procuradores bem intencionados preferiram se iludir com a presunção de isenção. Nas suas entranhas, o processo jurídico é burocratizado e lento. E as regras de Accountability suficientemente vagas para que os operadores do direito manobrem com prazos, com avaliações subjetivas sobre os inquéritos e, principalmente, com o uso seletivo dos vazamentos.
O inquérito contra Aécio Neves dormiu por anos na gaveta do PGR. O julgamento do “mensalão tucano” foi atrasado por anos graças a um mero "esquecimento" do Ministro Ayres Brito.
Até hoje é impossível saber quais e quantos inquéritos repousam nas gavetas da PGR ou em pedidos de vista intermináveis do STF.
Agora, o MPF e a Polícia Federal se constituem na maior ameaça à democracia. E há razões de sobra para temer.
Qualquer avaliação sobre o avanço do Estado de Exceção tem que analisar dinamicamente o que ocorre, levando em conta todos esses sinais.
O que Miriam Leitão fez foi uma mistificação histórica, ao comparar o quadro politico atual com a ditadura pós-AI5, em plena maré de torturas, para concluir que hoje em dia não existe regime de exceção.
Para chegar a 1968, a ditadura passou por 1964, período no qual foram plantadas as sementes da radicalização posterior - principalmente quando o regime entendeu que não tinha possibilidades eleitorais. E surgiu porque avançou-se dia a dia em medidas de exceção, criminalizando os críticos, fossem comunistas ou liberais. E, na mídia, as Miriam Leitão da época estimulavam a caça às bruxas recorrendo a um legalismo de araque.
Se Miriam e outros colegas forem bem sucedidos em seu trabalho diário de fomentar a caça às bruxas, é possível que dentro de pouco tempo possamos chegar ao padrão AI5.
O direito penal do inimigo está proliferando por todos os poros da república, dos colunistas de jornais a procuradores da República, diretores de escola expurgando “comunistas” e
redações expurgando quem ousar criticar o golpe.
É um sentimento disseminado.
É possível que em um ponto qualquer do futuro erga-se alguma onda de resistência contra o arbítrio. No momento, não.
No CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) as piores asneiras de direita são perdoadas. Hoje em dia, no entanto, as ameaças do CNMP pairam sobre o pescoço do procurador que questionou a reforma trabalhista em artigo, os bravos procuradores da República em São Paulo que correram até a delegacia para defender jovens vítimas de arbitrariedades policiais; a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, por ter decidido filmar as passeatas para coibir as truculências da Polícia Militar paulista.
Em quadro de normalidade democrática, de discernimento mínimo jurídico, nem o mais obtuso procurador da República proibiria exposição de obras de Paulo Freire na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) ou cartazes de “fora Temer” em colégios - como fez ontem o procurador da República no Rio de Janeiro, Fábio Moraes de Aragão.
Por tudo isso, o primeiro grande desafio será conter essa escalada da violência, do dedurismo, que entrou por todos os poros da sociedade.
Peça 4 - a reconstrução de um modelo de esquerda
Essa reconstrução passa não apenas pela recuperação dos valores centrais - inclusão social, políticas sociais, estado do bem estar social, tolerância, defesa das minorias, defesa do meio ambiente etc. -, mas por rediscussão sobre modelos de estado, instituições e mídia.
Sobre instituições
A maneira das corporações entrarem no jogo político foi atrás do associativismo. Criado como uma instância de supervisão do Judiciário, por exemplo, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) só levanta dados para justificar gastos do Judiciário. O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) é incapaz de ações mais severas contra abusos de procuradores. Hoje em dia, o Judiciário já consome 1,8% do PIB e caminha para 2,1%, fato inédito em qualquer economia global.
Pior, há um desconhecimento amplo dessas corporações em relação a temas políticos e econômicos, mais ainda em relação a projetos de país.
Nenhum governo será viável se não tiver o controle dessa agenda e se não instituir uma Accountability ampla nesses setores. Hoje em dia não se tem acompanhamento nem sobre processos em tramitação no Supremo, nem na Câmara, não se tem controle sobre a gaveta do PGR.
Terá que se recuperar os princípios originais de independência do Ministério Público e do Judiciário: para assegurar a independência de julgamento do juiz e o trabalho independente do procurador. e não como ferramenta de instrumentalização política de um poder de Estado.
Sobre gestão
Os governos Lula e Dilma revelaram grandes exemplos de boa gestão, especialmente nos programas desenvolvidos por Fernando Haddad no MEC (Ministério da Educação), no Bolsa Família e no Brasil para Todos. E alguns arremedos de gestão compartilhada no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Mesmo assim, não trataram de definir um padrão, a partir do acúmulo de experiências bem sucedidas.
Mas, apesar dos avanços, ainda se deixou muito a desejar.
A institucionalização de políticas públicas passa por definir métodos claros de parceria com estados, municípios e terceiro setor. Só se consegue com a criação de protocolos de procedimentos para cada programa, facilmente assimiláveis na ponta, fiscalizáveis e reprodutíveis.
Desenvolvimento de modelos de comunicação, para facilitar a compreensão da opinião pública sobre os benefícios dos projetos.
Institucionalização de canais de participação da sociedade nas diversas instâncias de discussão das políticas públicas.
Sobre mídia
Nenhuma democracia é compatível um mercado dominado por grandes grupos de mídia atuando de forma cartelizada e com poder de fogo similar ao das Organizações Globo.
Em todos os fóruns de direitos humanos, o direito à informação ganhou status de direito fundamental, tão relevante quanto o direito à vida, à alimentação e à saúde.
A Globo conseguiu seu maior feito politico ao ser a protagonista principal de um golpe de Estado. Criou uma conta enorme a ser saldada em um ponto qualquer do futuro. Desde então, se transformou no inimigo número um de qualquer governo progressista que surja nas próximas décadas.