Nunca em minha vida senti tanta vergonha como tenho sentido nesses últimos poucos meses. E a vergonha vai se aprofundando, se espalhando. Vai se tornando uma "onivergonha".
Vergonha da maioria dos meus colegas ou amigos, vergonha de muitos dos meus parentes. Vergonha profunda de quase todos os políticos, de quase todos os juízes, de praticamente todos os ricos. Vergonha do pérfido e fétido universo dos poucos que mandam no país. Vergonha não só dos ricos, mas também dos ridículos aspirantes-a-rico. (Como se já não fosse uma vergonha eleger a riqueza como meta, como ideal.)
Vergonha do meu país. Como eu nunca havia sentido, nem mesmo nos derradeiros anos dos governos do golpe de 64, do qual eu, já adulto, acompanhei os estertores. É que naqueles das, talvez embalado pelo ânimo da juventude, eu via a luz no fim do túnel da vergonha. Hoje, não mais: vejo apenas o túnel. Escuro, frio, úmido, malcheiroso.
Fosse mera questão de divergência de opinião, não haveria vergonha. Haveria, claro, alguma tensão, alguma discórdia. Mas não se trata disso. Trata-se de uma grotesca distopia, que dá medo mas dá muito mais vergonha.
Vergonha absoluta do que está sendo feito com o
meu país. Um país que tinha potencial. Potencial cuja efetivação seria sempre -sabíamos todos- obtida a fórceps. Foi-se o potencial, e só restou a vergonha.
Vergonha ao testemunhar ondas de saliva que emanam de bocas que professam e adoram o ódio mais pueril, bisonho e irracional que já presenciei. Um país sendo jogado na lama, da qual dificilmente conseguirá sair, por milhares ou milhões de pessoas que, parece, só conhecem a linguagem do ódio. Pessoas que perderam toda a vergonha e demonstram diuturnamente o desejo de ignorar. Mais do que desejo, parece que ignorar, veja que vergonha, agora é qualidade.
A vergonha é tamanha que pouco ânimo tenho para participar, como eu fazia antes, de qualquer debate. Tanta vergonha que não me animo, igualmente, sequer a conversar com tantos e tantos detentores e professores desse ódio vergonhoso com os quais sou obrigado (obrigado!) a conviver no dia-a-dia.
Parece não haver limites para o crescimento dessa vergonha. Resta-me, até quando a Natureza assim determinar, continuar me envergonhando das coisas do Brasil, das pessoas do Brasil.
Um dia, daqui a alguns anos, meu(s) filho(s), que, até o limite das minhas forças será(ão) educado(s) muito além das certezas das vergonhosas instituições oficiais e não-oficiais, vai(ão) me perguntar por que o Brasil chegou a esse ponto, e por que não fizemos nada.
A única coisa que vou poder responder a ele(s) é: nós tentamos... Mas ao menos tivemos, sempre, muita vergonha.