Alex Solnik
O juiz Sergio Moro é um funcionário público. Apesar de não ter sido eleito, deve prestar satisfações à sociedade brasileira, tal como os políticos, que o foram. Por isso, ele deveria vir a público explicar esse caso de "dois presos, duas medidas".
Vejam bem vocês como são as coisas. Antes de ser preso, Eduardo Cunha era o maior vilão do Brasil. Faltou pouco para os mais distraídos pensarem tratar-se de um novo Bandido da Luz Vermelha ou o Tião Medonho redivivo.
Ministros do STF gastavam horas enumerando as acusações de extorsão, chantagem, venda de medidas provisórias, lavagem de dinheiro, ocultação de bens e dezenas de outros delitos.
A comparação mais bondosa que se fazia dele era com o mau caráter do seriado "House of Cards".
No entanto, bastou ir para o xilindró para ele sair das manchetes. Ele próprio teve que se esforçar para não ser esquecido, publicando uma carta aberta ao juiz Sergio Moro na "Folha" e enviando perguntas incômodas, muitas das quais foram censuradas por Moro.
Ou não se tem notícias porque a investigação a seu respeito parou ou ela continua, mas as notícias, como a exportação de carne em lata para a África não são vazadas para a mídia, ao contrário do procedimento usual desde o início da Operação Lava Jato.
O que parece é o seguinte. Cunha foi retirado de cena e em seu lugar foi coroado outro vilão, o outrora simpático Sérgio Cabral, para distrair a plebe, agora carimbado diariamente como o maior ladrão da República de todos os tempos, aquele que usou o helicóptero 1 milhão de vezes para descansar no fim de semana, aquele que comprou todas as joias do mundo, o insaciável, o abusado, aquele que cobrava 5% das obras, aquele cujo cabelo foi cortado e que sempre aparece em traje de presidiário de Bangu 8. Por coincidência, tinha ligações com os governos Lula e Dilma.
Já em Curitiba, Cunha, apesar de preso, mas em Curitiba, surgiu em público, na audiência com o juiz Sergio Moro com o mesmo corte de cabelo de sempre, aparado e não cortado, camisa limpa e bem passada, gravata elegante, um terno na estica e certamente com o perfume de sempre. Por coincidência, tem ligações com o governo Temer.
Se falar o que sabe Cabral pode potencialmente comprometer Lula; se Cunha falar o que sabe enterra o governo Temer.
Esse parece ter sido o ponto fundamental na escolha das prioridades. Expor Cabral cada vez mais como o bandido número 1, porque uma população viciada em telenovelas não pode viver sem vilões e esconder Cunha o mais possível, de modo que o esqueçam e ele esqueça Temer.
O noticiário negativo, intermitente e bombástico sobre Cabral serviu para atingir, potencialmente, Lula e Dilma, num período em que, coincidentemente, Lula aparece em primeiro lugar em todas as pesquisas para 2018 e blindar Temer esvaziando o espernear de pernas de Cunha.
Não é mais nem o caso de discutir se Moro está ou não está blindando Temer, isso ficou demonstrado quando ele censurou perguntas de Cunha que comprometem o governo atual em vez de, como um juiz soberano, permitir que a população conheça as entranhas do poder que é por ela sustentado.
Moro blinda Cunha para blindar Temer.