Luis Felipe Miguel
Sempre pensei que era razoável abolir o Senado. Essa é uma bandeira antiga da esquerda. Lembro que, quando foi eleito senador pela primeira vez, uma das primeiras iniciativas de Eduardo Suplicy foi apresentar uma emenda extinguindo a própria casa.
Afinal, as funções do Senado em grande medida se sobrepõem às da Câmara. A ficção de que uma casa representa "o povo" e outra, "as unidades federadas" é isso: uma ficção. Ambas derivam do voto popular e, em tese, respondem aos mesmos constituintes. O Senado seria simplesmente mais oligárquico e, portanto, mais conservador. Sua existência visaria impedir avanços na legislação. Além disso, ele agrava, muito, a desproporcionalidade entre população e número de representantes.
Hoje, no entanto, o Senado, mesmo que esteja muitíssimo longe dos nossos sonhos, é um espaço mais favorável à resistência do que a Câmara. Aprovou o golpe por maioria ampla, mas parece um pouco mais refratário a subscrever - por exemplo - a extinção da legislação trabalhista. A infame terceirização foi aprovada graças a uma manobra que impediu que o texto fosse apreciado pelo Senado.
O que leva a esse resultado tão contra-intuitivo? Minha hipótese se liga à decadência generalizada da classe política brasileira, que fez com que a Câmara fosse tomada por uma maioria de simples negocistas, que veem o mandato como um investimento de caráter econômico e, portanto, são muito mais sensíveis às vantagens materiais que o troca-troca com o Executivo oferece do que às respostas que o eleitorado pode dar. Já no Senado, que representa um degrau mais elevado da carreira política, o balanço de incentivos é diferente. Ele tem lá sua cota de Magnos Maltas e Hélios Josés, mas uma grande parcela de seus integrantes tem ambições políticas maiores e, portanto, é obrigada a colocar na conta a repercussão de suas ações no eleitorado. Não é a accountability perfeita dos manuais da "ciência política cívica", mas já ajuda um pouquinho.