A desonestidade intelectual de Bolívar Lamounier

Luis Felipe Miguel

Fazendo hora numa livraria, peguei alguns livros para folhear, entre eles o novo do ex-cientista político e atual comentarista da GloboNews, Bolívar Lamounier. É um volume curto que pretende descrever "a luta ideológica do nosso tempo". Logo de cara, vi que era coisa fina: o primeiro parágrafo tem uma expressão em latim e uma frase em francês.

Não foi preciso muito esforço para perceber que o livro é apenas uma peça de propaganda rasa, com as palavras difíceis salpicadas aqui e ali para iludir os boçais, que pensarão que estão lendo altas filosofias. Lamounier diz que as "três grandes ideologias" do século XX são liberalismo, marxismo e fascismo; e ultrapassa a linha da desonestidade intelectual quando afirma que "a interpretação preponderante hoje" é que entre marxismo e fascismo as diferenças são pequenas. Talvez seja o discurso preponderante nos coquetéis do Instituto Millenium, que ele frequenta, mas não mais do que isso.

Nem vale a pena esmiuçar o argumento do livro, de que o liberalismo é bom porque valoriza o "indivíduo", ao passo que os antiliberais, não. Seria demais esperar que Lamounier discutisse o caráter histórico da categoria "indivíduo", o que ela inclui e o que ela deixa de fora. Ou que entendesse que uma compreensão da história que vê coletivos como sendo os sujeitos da ação política (e, portanto, é anti-individualista neste sentido) pode estar combinada a um compromisso ético de dar a cada pessoa as melhores condições para usufruir de sua vida com autonomia (e neste sentido é tão "individualista" quanto o melhor liberalismo).

O que me espantou, no entanto, foi o final da apresentação (a única parte que li). Lamounier critica Fukyuama e a tese do fim da história, algo, aliás, que se tornou "de rigueur" (para usar uma expressão que caberia no livro) até mesmo nos textos do próprio Fukuyama. Alerta que a democracia "permanece globalmente vulnerável a pelo menos três riscos". E os lista: "a corrosiva hostilidade de uma parcela dos cidadãos à democracia representativa", o "ideologismo por vezes exaltado e virulento" e o "terrorismo internacional".

Vou deixar de lado a ironia que é ver Lamounier posando de grande amante da democracia, ele que, no período mesmo em que escrevia o livro, desempenhava de coadjuvante de William Waack no incitamento ao golpe. Mas quem, mesmo sendo um liberal conservador, pode falar dos riscos à democracia e esquecer da ampliação das desigualdades, da exclusão social, da concentração da riqueza?

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