Viviane Senna superou Michel Temer e fez o discurso mais cretino dos últimos tempos

Trabalho? Não sabem nem o que é.
Luis Felipe Miguel

A competição é renhida, mas acho que ontem Viviane Senna superou Michel Temer e fez o discurso mais cretino dos últimos tempos: "O Ayrton representava todos os trabalhadores do Brasil que acordam cedo para trabalhar e matam mil leões por dia. Não é de graça, não é fazendo greve que se conquistam as coisas".

Quem gosta de automobilismo pode apreciar à vontade as virtudes de Ayrton Senna como chofer, mas ele nunca representou trabalhador nenhum. Nem a irmã dele, aliás, tem qualquer autoridade para se pronunciar sobre o assunto. Filhos de família burguesa, nunca vivenciaram um dia da vida de um trabalhador.

É um truque velho. João Doria, a quem Viviane Senna estava afagando com seu discurso, abusa dele. Seu marketing quer que ele seja o "João Trabalhador". ​Ele faz questão de dizer que acorda cedo e dorme pouco. Ele planta notinhas nos jornais para exibir que incomoda seus subordinados com telefonemas de madrugada.

Nada disso faz dele um trabalhador, tanto quanto vestir macacão e empunhar uma vassoura não faz dele um gari. Os trabalhadores em geral acordam cedo, bem mais cedo até do que Doria, mas não é isso que os define. É o fato de que seu trabalho é explorado, de que sua autonomia é sufocada pela subordinação ao proprietário e a seus capatazes, de que seu tempo não lhe pertence, de que a riqueza que ele produz não está a seu alcance. É o fato de que seus interesses estão em oposição àqueles que Doria protege, isto é, aos interesses dos patrões.

Justamente por isso, o trabalhador sabe, bem melhor do que Viviane Senna, que nada "é de graça". E por nada ser de graça é que os trabalhadores têm que se organizar, lutar contra os que os exploram e, sim, fazer greves.

Nunca apreciei Ayrton Senna - para mim, o garoto-propaganda do malufismo sempre foi mais marcante do que o automobilista. Ainda assim, acho chocante que, mais de 20 anos depois de sua morte, sua irmã se disponha a sapatear sobre o cadáver para promover o atraso político em São Paulo e no Brasil.

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