O artigo de Janaína Paschoal na Folha de hoje é revelador da confluência ideológica da direita brasileira - e, de certa maneira, contradiz a análise de Carlos Melo, em entrevista páginas adiante, de que haveria uma cesura clara entre a nova direita liberal e a velha direita de sempre.
A advogada é expoente de uma visão fervorosamente cristã e vê a si mesma como instrumento da providência divina, como seus discursos deixam claro - e não me refiro só ao da jararaca alada. Alinha-se a uma direita bem tradicional, para quem há uma "desordem" provocada pela ruptura de um ordenamento social que, no limite, vem da vontade de Deus.
Mas, no artigo, ela cita uma única autora: Ayn Rand, a filósofa e escritora de ficção científica estadunidense. Rand é um ícone do ultraliberalismo, criadora de uma filosofia primária, que nem o Olavão leva a sério, que exalta o egoísmo como maior virtude humana.
Próxima do anarcocapitalismo, ela era contra qualquer tipo de imposto. Se houver governo, ele deve ser sustentado por "contribuições espontâneas". E, embora advogasse o credo da liberdade individual total, Rand era simpática à ideia de que houvesse algum tipo de repressão estatal às relações homoafetivas. (Esse é um tema que causa constrangimento nos ultraliberais "moderninhos"; já vi, em fóruns deles, a explicação de que a oposição de Rand à homossexualidade não era "moral", mas "estética", como se isso fizesse algum sentido.)
O ponto é que essa filósofa ateia menor é uma escolha no mínimo bizarra para embasar os argumentos de uma cristã inflamada como Paschoal. Que ela o faça é um sintoma do crescente sincretismo doutrinário da direita brasileira, em que entra tudo, desde que seja contra a igualdade e a justiça social.