Luis Felipe Miguel
Correndo o grave risco de ser mal compreendido, vou dizer o seguinte: a tentativa de anistia ao caixa dois não é motivo de escândalo.
Script velho, mas ainda eficaz: o combate ao monstro da corrupção justifica a derruba paulatina das liberdades.
Correndo o grave risco de ser mal compreendido, vou dizer o seguinte: a tentativa de anistia ao caixa dois não é motivo de escândalo.
Sob certas circunstâncias, a anistia ao caixa dois seria até defensável. Permite virar uma página; admite que no cenário brasileiro o caixa dois se tornou quase que condição obrigatória para a competitividade política; faz uso da regra de que pode ser razoável perdoar aquilo que, ainda que condenado pela lei, era aceito pelo costume; impede a penalização seletiva. Acho que a proposta da Câmara está cheia de jabutis e é uma farra completa. Além disso, para ser justificável ela teria que ser explicitada com clareza. Por isso, entendo que é necessário barrá-la. Mas, em tese e com os devidos cuidados, uma anistia ao caixa dois não é necessariamente uma ideia estapafúrdia.
O que é motivo de escândalo, do mais absoluto escândalo, é o pacote de "dez medidas contra a corrupção", que amplia o arbítrio do aparelho repressivo e reduz as garantias legais. Mesmo com as (confusas) modificações do relator, continuamos renunciando a exigir que as provas sejam coletadas de acordo com as regras estabelecidas, ampliando o poder não supervisionado dos procuradores, incentivando o punitivismo mais desabrido, criando a figura da "deduragem premiada". Em suma, estamos dando alegremente novos passos na direção de um Estado policial.
A discussão sobre as dez medidas já era difícil, por conta do terrorismo dos procuradores, abraçado por grande parte da mídia. Agora, está completamente em segundo plano, ofuscada pela verdadeira cortina de fumaça que é o alarido sobre a anistia ao caixa dois.
Script velho, mas ainda eficaz: o combate ao monstro da corrupção justifica a derruba paulatina das liberdades.