Catarina Bessel |
Certas coisas são penosas de assistir, mas você assiste porque as pessoas te garantem que vale a pena. Quase nunca vale. Foi assim com "O Encouraçado Potemkin" e "Two Girls One Cup". E foi assim com o novo "Roda Viva".
Já não é sequer uma roda –jornalistas se alinham à frente do presidente, como uma plateia de teatro, e não ao redor, como o nome indica– tampouco parece ser viva –te desafio a assistir até o final. Não me espantaria se descobrissem que o presidente sem pescoço estivesse sendo manipulado por dentro como um muppet ou como o cadáver do filme "Um Morto Muito Louco".
Temer responde olhando para a câmera, e não para os jornalistas, como quem está fazendo um pronunciamento. O cenário é o Palácio da Alvorada, como todo pronunciamento. Resumindo: é um pronunciamento –com a ajuda luxuosa dos jornalistas. Nem parece que é um presidente na corda bamba –prestes a cair.
Todos ostentam um sorrisão. Parece que o Alvorada é open bar. Cogitei se estava acontecendo algo que não estaríamos vendo, fora de quadro. Pensei que talvez estivessem fazendo massagem nos pés. Talvez estivessem distribuindo rissoles ou carregadores de iPhone.
Ninguém fala do Porto de Santos, no Ministério sem negros ou mulheres, ninguém sequer pronuncia a palavra "crise". Perguntam se Temer vai ser candidato em 2018 –como se ele pudesse. Temer está inelegível pelo TSE. Mas deixa quieto. Não se fala de corda em casa de enforcado.
A pergunta final já virou meme: "Como o senhor se apaixonou pela Marcela?" Afinal, o Brasil não tava conseguindo dormir sem conhecer essa bela história de amor. Ao fim da entrevista, Temer agradece aos jornalistas pela propaganda. Todos morrem de rir, aquele riso de quem está tomando uísque num puteiro –hua, hua, hua. "Que figura, esse Michel!".
Cresci assistindo ao "Roda Viva" (na minha época, não tinha Cartoon Network). Tem momentos inesquecíveis. Quércia encurralado berrando: "Mentiroso! Caluniador!". O General Newton Cruz, quase chorando: "Tá todo o mundo aqui em cima de mim?". Sim, general, essa é a ideia do programa! Digo, foi.
Se tem uma coisa que aprendi a venerar é o jornalismo investigativo, aquele que diz que o rei está nu e ainda denuncia: tem pau pequeno. O pessoal do "Roda Viva", ao ver o rei nu, elogia: "Que pau bonito, hein, majestade! Fale mais sobre como é que o senhor faz pra manter um pau bonito como esse. Posso dar uma brincada?"