Guilherme Boulos
Fidel Castro morreu no último dia 25, aos 90 anos, de morte natural. Surpreendente ao se tratar de um líder que sofreu inúmeras tentativas de assassinato. Relatou-as, incluindo as mais bizarras, numa entrevista dada ao jornalista brasileiro Roberto d'Ávila, publicada em livro com o título "Fidel em pessoa".
Morto o homem, vem a discussão sobre seu legado. E não resta dúvida de que Fidel será lembrado como uma das maiores lideranças populares da América Latina no século 20. O homem que enfrentou um império e comandou a revolução que fez de uma pequena ilha exemplo de avanços sociais. Conforme previra em sua defesa no tribunal condenatório da ditadura de Fulgêncio Batista, a História o absolveu.
Os avanços proporcionados pela revolução cubana foram muitos, principalmente quando consideramos o ponto de partida. Até 1959, Cuba era um país pobre, agrário e completamente subordinado aos interesses norte-americanos. Era conhecida como o quintal dos Estados Unidos. Ao longo do século 20 foram cinco intervenções militares na ilha. Não havia soberania nacional nem garantia de direitos básicos para o povo.
A revolução comandada por Fidel praticamente erradicou o analfabetismo, feito inédito no continente. Cerca de 30% da população cubana de então era analfabeta. Hoje, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), são 0,2%. No Brasil, este número ainda hoje é de 8,7%. Cuba está entre os países do mundo que mais investem em educação, 13% do PIB. Foram construídas 60 universidades desde a revolução.
Na saúde os resultados foram ainda mais fortes. A mortalidade infantil na ilha é de 4,6 para mil nascidos vivos, mais baixa que a dos Estados Unidos e do Canadá. É ainda o país com o maior número de médicos per capita do mundo, tendo mais que o dobro do índice norte-americano. A formação de médicos em Cuba chegou ao ponto do país ter enviado, nos últimos 50 anos, 132 mil médicos para trabalharem em 102 países, incluindo o Brasil.
Fidel comandou também o processo das reformas agrária e urbana. O latifúndio foi eliminado e 402 hectares de terra foram nacionalizados e distribuídos aos camponeses. O Índice de Desenvolvimento Humano disparou, aparecendo entre os mais elevados entre os países pobres, e a desigualdade social caiu brutalmente. A expectativa de vida em Cuba é de 78 anos.
É evidente que o processo cubano tem limites e contradições. É evidente que Fidel cometeu erros, a exemplo da inaceitável discriminação do estado cubano aos homossexuais registrada durante vários anos. Aliás, não há nenhum grande acontecimento ou figura histórica que não estejam marcados por contradições e descaminhos. A questão é o que prevalece na balança da história. No caso de Fidel, será lembrado muito mais pela ousadia de ter enfrentado um império e liderado um processo de profundas mudanças sociais do que pelos erros que cometeu, o que não significa deixar de reconhecê-los.
Deve-se ainda mencionar que parte dos problemas vivenciados pelo povo cubano desde a revolução estão relacionados a um embargo criminoso patrocinado pelos Estados Unidos. Embargo condenado por 188 dos 192 países que compõem a ONU; embargo que isolou e asfixiou a já frágil economia cubana, forçando-a a concessões por razões de sobrevivência, especialmente após o fim do bloco soviético.
Não se trata aqui de idealizar um modelo, muito menos de copiá-lo. Experiências históricas não se copiam. Trata-se de aprender com seus acertos e com seus erros. Mas em tempos sombrios como os que se anunciam, a ousadia de Fidel no enfrentamento às injustiças sociais continuará inspirando gerações.