Filme "Snowden" mostra a importância que os EUA davam ao Brasil

Carlos Tautz

Snowden (o filme de Oliver Stone) dá a real dimensão da importância que os EUA atribuem ao Brasil, provavelmente devido às relações com a Rússia e China através do BRICS, e ao pré-sal . Em 2012, Snowden vai trabalhar na NSA, espanta-se ao perceber que a sociedade estadunidense é a mais vasculhada por seus próprios espiões e compara o volume de dados hackeados em vários países. É nesse momento que aparece a centralidade do Brasil para a espionagem americana.

Ele descobre que em março de 2012, a pretexto de combater o terrorismo, os EUA interceptaram 3,15 bilhões de e-mails e ligações de seus próprios cidadãos. No Brasil (onde nunca foram encontrados terroristas), a NSA operou 2 bi de interceptações; na Rússia, 1,5 bi; na Alemanha, 515 milhões, e na França, 70 milhões. Isso mesmo: o Brasil era mais espionado do que a Rússia (o mais ferrenho e longevo inimigo dos EUA), a Alemanha (4ª maior economia do planeta) e a França (6ª maior e membro do Conselho de Segurança da ONU). 

No filme, Snowden não se dá conta do absurdo que é espionar o Brasil com tanta intensidade e desloca sua atenção para o fato de que os EUA tinham o dobro das interceptações que a Rússia. Mas, já lhe fica claro que os objetivos de tanto monitoramento eram, em verdade, a economia e a geopolítica. 

E o que acontecia no Brasil naquele momento – março de 2012 - para interessar tanto à Washington? Principalmente duas questões importantes para os EUA: 

1. O governo discutia se e como seria realizada a 12ª rodada de licitações para explorar sob o regime de partilha as áreas do pré-sal. A previsão era outubro de 2013. No final, a 12ª rodada foi realizada no mês previsto, terminou deixando de fora as petrolíferas estadunidenses – em represália à espionagem denunciada por Snowden meses antes - e colocando a Petrobras como sócia majoritária de chineses e franceses na exploração do megacampo de Libra (o maior descoberto nos últimos anos em todo o mundo, com reservas que podem chegar a 15 bilhões de barris). Era tudo que os americanos não queriam. Tinham seu acesso impedido ao petróleo físico – eles terão enormes dificuldades com petróleo já em 2017 - enquanto às petrolíferas chinesas era garantido papel central numa articulação de longo prazo com a Petrobrás; 

2. No dia 27 de março daquele ano, Dilma chegava à Nova Déli, na Índia, para participar da 4ª Cúpula do BRICS, em que seria consignada a criação de um banco de desenvolvimento e de um fundo de assistência mútua entre Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, para escapar do controle que, respectivamente, europeus e estadunidenses exercem no Banco Mundial e no FMI. 

Bom, depois disso, Dilma foi afastada. O senador José Serra (PSDB-SP) apresentou um Projeto de Lei para destruir o regime de partilha e apenar a Petrobrás – exatamente como prometera à petrolífera estadunidense Chevron em 2009, de acordo com documentos vazados pelo Wikileaks. E o BRICS, que era animado principalmente pela hábil diplomacia brasileira, entrou em banho-maria sob a gestão do agora Chanceler Serra no Itamaraty...

A participação e o protagonismo dos EUA no golpe de 2016 ainda foram pouco estudadas, mas já muito refutadas. Dizem os detratores dessa hipótese que ela seria mais uma “teoria da conspiração”. Seus antecessores falavam o mesmo em relação ao golpe de 1964, quando o jornalista Edmar Morel lançou, já em 65, o livro “O golpe começou em Washington”. Tiveram de se calar, envergonhadamente, 10 anos depois.

Em 1975, o jornalista Marcos Sá Corrêa acessou documentos liberados pela biblioteca presidencial de Lyndon Johnson, denunciou no falecido Jornal do Brasil a Operação Brother Sam e confirmou que a teoria era, de fato, prática. Os dados apontados por Snowden em 2012 continuam aguardando ser investigados sem o preconceito conspiratório.

Subscribe to receive free email updates: