Moisés Mendes
Lula senta-se diante do juiz Sergio Moro e decide falar o que vem pensando há muito tempo.
– Eu sei que sou o réu aqui, mas gostaria de fazer alguns comentários antes de responder às suas perguntas.
O juiz demonstra surpresa e ajeita-se com inquietação na cadeira. Olha para os que estão na sala, mas não interrompe a fala de Lula, que continua:
– O senhor gosta de jogar para a torcida.
Moro franze a testa e continua em silêncio. Lula se sente autorizado a prosseguir:
– Vou começar pelo começo. O senhor determinou que me levassem à força para depor no ano passado. Foi quando ouvi falar pela primeira vez da tal condução coercitiva.
– A lei permite – diz Moro, com a voz baixa e mais fina do que o normal, enquanto examina as unhas, como faz nos vídeos em que aparece ouvindo delatores.
– A lei, no seu caso, permite tudo. Eu não havia me negado a depor, eu não estava fugindo, eu não ameacei ninguém e mesmo assim me levaram para o Aeroporto de Congonhas.
– Foi uma decisão da Polícia Federal, por questão de segurança.
– Logo depois, o senhor divulgou o grampo de uma conversa minha com a presidenta Dilma.
– Achei que seria relevante para conhecimento do público – diz Moro.
– Conheço a sua tese, mesmo que o ministro Teori tenha decidido que o senhor cometeu um delito. Ao grampear e ao divulgar a conversa.
– Eu admiti que errei e pedi desculpas ao Supremo – diz Moro.
– O que interessava era mandar a gravação para a Globo. Não servia para nada do processo, mas servia tudo para o marketing da Lava-Jato e do Jornal Nacional. Era uma coisa sem valor legal algum. Mas o senhor nunca foi punido por isso.
– Nunca fui punido por nada.
– Eu sei. O senhor é quem pune. O senhor tentou até censurar o cientista Rogério Cerqueira Leite, sugerindo à Folha que não publicasse seus artigos, porque faziam críticas à sua atuação.
– Ele estimulou a violência, ao escrever que eu poderia arder na fogueira da própria direita.
– Aquilo se chama metáfora. Aprendi na escola em Garanhuns. É uma fogueira simbólica. Mas é real que o senhor tirou fotos com Aécio Neves, o sujeito mais delatado e mais impune da Lava-Jato.
– Também admiti depois que foi um equívoco – balbucia Moro, examinando as unhas da mão esquerda.
– E o senhor ainda participa de eventos de tucanos, como aquele promovido pela empresa Lide, do Doria Júnior, em São Paulo.
– Eles me convidam.
– Depois das passeatas do pato da Fiesp, pouco antes do golpe, o senhor emitiu uma nota oficial elogiando “a voz das ruas”. Nunca antes se viu um juiz no Brasil divulgar uma nota sobre uma manifestação política, ainda mais estando envolvido no julgamento de um caso essencialmente político.
– Foi no impulso, eu fiquei tocado com o apoio deles – fala Moro, com a voz cada vez mais baixa.
– Também no impulso, para jogar para a torcida, há pouco o senhor gravou um vídeo com agradecimentos a quem apoia o que o senhor faz. Eu vi, um vídeo caseiro, gravado em casa.
– Eu valorizo as redes sociais.
– Pois eu quero lhe dizer, antes das suas perguntas, que eu também gosto das redes sociais. Eu lido ao vivo com as redes desde meu tempo de sindicalista.
– Mas o senhor parece querer conduzir a audiência, e o juiz aqui sou eu – reage Moro, tentando engrossar a voz.
Lula leva o tronco para a frente e se aproxima mais da mesa do juiz e soletra:
– Quero que o senhor grave o seguinte. Eu sei, todos aqui sabemos, o Brasil sabe que o senhor gosta de arregimentar apoio para o que faz, o que é justo. Mas sabemos também que muitas das suas atitudes são políticas, marcadamente políticas, no sentido mais amplo do que seja política, e pouco têm a ver com os ritos do Judiciário.
– É o meu jeito de atuar.
– Eu sei. O senhor atraiu o apoio dos golpistas e, de impulso em impulso, politizou a Lava-Jato. O senhor transformou Marisa Letícia em ré e se disse constrangido por isso. Grampeou Dilma e avisou a Globo e pediu desculpas. Tirou foto com Aécio e se desculpou. Mandou que eu participasse de todas as audiências das minhas testemunhas, no processo do tal terreno do meu instituto, mas depois recuou.
– Onde o senhor quer chegar? – indaga Moro, assertivo.
– Calma que eu estou chegando. O senhor sempre se desculpa pelo que não é essencial e não muda nada no que importa. O senhor quer ganhar sempre. Por isso, mantém gente em prisão preventiva por mais de ano. E continua avançando e politizando suas ações na Lava-Jato. Pois eu sei muito bem como politizar um cenário como este que estamos vivendo.
– É uma ameaça? – quis saber Sergio Moro.
– Não. É apenas um comentário. Eu estou numa situação em que tenho que provar que não cometi crimes, quando se sabe que a acusação é que deve provar que eu sou criminoso. E juristas de toda parte dizem que o senhor não é o juiz, que o senhor é o acusador.
– É uma acusação leviana.
– São constatações de gente da sua área. Todo mundo também sabe, inclusive a sua torcida, que o jogo da Lava-Jato não está sendo jogado apenas com as regras da Justiça. Eu, por alguma esperteza que Deus me deu desde o sindicalismo, percebo isso. Só quero dizer, para concluir, que se for para politizar ainda mais toda essa história, eu aceito esse jogo.
– Não entendi – diz o juiz, examinando as unhas da mão direita.
– O senhor não precisa entender. Encerrei. Agora, o senhor pode fazer as perguntas.
Moisés Mendes | Jornalista, autor do livro Todos querem ser Mujica – Crônica da Crise (Diadorim Editora, 154 páginas).