Moralista alemão, Homem do Ano de 1938 |
O Poder Judiciário e a Polícia Federal estão saindo do controle da sociedade. Transformaram-se em um poder perigoso para os destinos da democracia e do desenvolvimento brasileiro.
Nada é mais simples do que transformar a moral em um sistema de regras absolutas sobre as quais não há qualquer possibilidade de compromisso. Não é assim que cada um de nós age em relação a nós mesmos; não é assim que as sociedades, através dos tempos, agem na prática. Agir como se pretende tornaria a vida pessoal e a vida social inviáveis. Mas isto não impede que as pessoas adotem a retórica da moralidade a qualquer custo, da moralidade perfeita. O farisaísmo é sempre um tranquilizador perfeito da consciência.
Será razoável o que estamos fazendo no Brasil adotando essa “filosofia”? Primeiro, com os abusos da Operação Lava Jato, que começou moralizando o país, mas em seguida desrespeitou direitos e está destruindo nossas grandes empresas de construção; agora com a investida contra as grandes empresas exportadoras de carne.
Houve corrupção na Petrobrás? As práticas corruptas são antigas nas obras públicas? Valeu a pena encontrar os culpados e puni-los? Sem dúvida. Mas faz sentido usar da coerção para extrair delações, e “vasar” imediatamente seu conteúdo para a imprensa? Faz sentido não distinguir o caixa 2, que faz parte dos usos e costumes do financiamento de campanhas no Brasil, das propinas (oferecer obras ou emendas legislativas em troca de dinheiro)? Vale a pena desmoralizar todos os políticos brasileiros? Vale a pena realizar uma cruzada contra as empresas, ao invés de se apressar e simplificar os acordos de leniência? Definitivamente, não vale.
E agora a Operação Carne Fraca? Faz sentido a publicidade que a Polícia Federal deu a ela? Faz sentido anunciar ao mundo que a produção e exportação de carne do Brasil não está sendo devidamente fiscalizada? Que não esteja perfeitamente fiscalizada, é provável. Mas, de repente, a ação escandalosa transformou as grandes empresas exportadoras de carne, que, como as construtoras, são um patrimônio da sociedade brasileira, em empresas corruptas. Isto também não faz o menor sentido.
Pode fazer sentido para os defensores da moralidade absoluta. Mas sabemos que a moralidade perfeita é uma impossibilidade, como também o é a verdade absoluta.
Sim, precisamos de moralidade. Sim, precisamos punir a corrupção. Mas de maneira razoável, pragmática, sem violência. Na vida social e, mais ainda, na política, os valores são fundamentais. Na política as sociedades modernas definiram historicamente alguns grandes objetivos - a liberdade, o bem-estar, a diminuição das desigualdades, a proteção do ambiente, a segurança – e os principais meios para atingi-los: a democracia, a garantia dos direitos, o espírito republicano e a honestidade na vida pessoal e na vida pública. Mas é impossível alcançar esses objetivos de repente, por um ato de vontade. Alcançá-los envolve compromissos entre esses objetivos, que envolvem contradições, como também existem conflitos entre os meios adotados.
A Operação Lava Jato representou uma conquista enquanto processava e punia políticos, lobistas e funcionários que haviam se envolvido diretamente em propinas em troca de obras e de emendas; transformou-se em uma ameaça quando assumiu caráter partidário; e em uma maior ameaça quando admitiu que as propinas não aconteceram nem apenas e nem principalmente no PT. A Operação Carne Fraca começa mal desde o início.
Quando a Constituição de 1988 deu independência e poder ao Ministério Público, eu me alegrei. Quando a Polícia Federal foi reformada e prestigiada no governo Lula eu igualmente me congratulei. Mas vejo agora que o Poder Judiciário e a Polícia Federal estão saindo do controle da sociedade. Transformaram-se em um poder perigoso para os destinos da democracia e do desenvolvimento brasileiro.
Sim, queremos mais honestidade na condução da vida empresarial e da vida pública, mas os padrões éticos são uma construção social, como também o são a construção da nação e do Estado. Uma construção que foi interrompida nos anos 1980, quando o Brasil parou de crescer e alcançar gradualmente os níveis dos países ricos. Uma construção que está hoje ameaçada pelo ressentimento, pelo radicalismo e pelo ódio. Não destruamos o Brasil. A moralidade é um valor maior, mas não é o único valor, e não pode ser assegurada a qualquer custo.