Trump quer destruir o meio-ambiente para produzir lucro para 0,1% da humanidade

Luis Felipe Miguel

Trump revogou decisões de combate ao aquecimento global que o governo Obama tinha tomado. Dá novo sinal verde para as usinas termoelétricas e, na prática, assinala o descompromisso dos Estados Unidos com o Acordo de Paris. Não foi a toa que Trump nomeou, para a agência federal de proteção ambiental, um advogado ligado à indústria do petróleo, confessadamente defensor do dióxido de carbono que, segundo ele, não faz mal a ninguém.

A discussão sobre o aquecimento global mostra com clareza o que é o capitalismo e como a busca do lucro torna todo o resto secundário - incluindo neste resto o futuro da humanidade e do planeta. É muito elucidativa a leitura do livro da jornalista canadense Naomi Klein, This changes everything: capitalism vs. the climate, publicado em 2014. O livro relata como os grupos conservadores do mundo desenvolvido lidam com o problema.

Em primeiro lugar, há a indústria da negação do aquecimento global, que promove badalados seminários com jornalistas, blogueiros e alguns poucos cientistas de segunda linha, tudo fartamente financiado por dinheiro das corporações ligadas ao combustível fóssil. Para os estudiosos do clima, as evidências da mudança climática causada pelos seres humanos fizeram com que a controvérsia já tenha se encerrado, faz tempo. Ela é mantida acesa na “opinião pública” graças a golpes publicitários que põem em evidência os porta-vozes das companhias de petróleo, às vezes brandindo pesquisas fajutas, às vezes só retórica.

A negação do aquecimento global tende a levar à denúncia das motivações dos que alertam para seus riscos. Uma pequena amostra do que é dito e divulgado mostra o nível do debate. Seria uma conspiração comunista, voltada a retirar as liberdades individuais e ampliar a ingerência do governo, que ganharia mais poder para regular “nossos chuveiros, nossas lâmpadas e nossas lavadoras”. Isto é, “um cavalo do Troia verde, com a barriga cheia de doutrina marxista vermelha”. Ou uma manobra das Nações Unidas para destruir o modo de vida americano. Ou um pretexto para a instauração do nazismo (!). E os ambientalistas seriam como sacerdotes astecas, sacrificando as pessoas para apaziguar os deuses do clima.

Mas se negar o aquecimento global se mostra pouco convincente, o jeito então é tentar retirar o problema da agenda pública. Klein cita um levantamento que mostra que, entre 2007 e 2011, o número de reportagens sobre o tema nas três grandes de TV dos EUA foi reduzido em 90%.

Outra alternativa é ver o “lado bom” do processo - novas oportunidades para empresas ou mesmo o fato de que imagina-se que os países quentes (e pobres) sofrerão mais rapidamente as consequências do aquecimento. Um deputado estadual chegou a propor, em 2011, uma lei para declarar oficialmente que a mudança climática era “benéfica para o bem-estar e os negócios de Montana”.

Por fim, há todo o grande grupo daqueles que estão à espera de um milagre, apostando suas fichas no surgimento da tecnologia salvadora que vai reverter o processo. É a aposta de bilionários como Bill Gates, que financiam projetos ambiciosos de pesquisa na área. Enquanto isso, todos nós continuamos na nossa vida de sempre. Quem pode, continua andando de automóvel e de avião, comendo churrasco, desperdiçando energia gerada em termoelétricas - e tudo o que temos que fazer é torcer, torcer muito, muito mesmo, para que as placas bloqueadoras de raios solares ou as técnicas de sequestro de carbono no oceano entrem em funcionamento antes do desastre total.

Nenhuma dessas apostas na “geoengenharia” é garantida e tampouco se sabe averiguar quais seriam seus efeitos colaterais. Imagina-se que as técnicas de SRM (sigla em inglês para “gestão da radiação solar”) afetarão gravemente os regimes de chuva nos trópicos, destruindo a agricultura de vários países. Outra consequência, óbvia, é a redução da eficiência das usinas solares, aumentando portanto as emissões de carbono - exatamente o problema que deveria ser enfrentado.

O que eles querem é enfrentar o aquecimento global sem mexer naquilo que está na sua raiz: o modelo econômico predatório, baseado no desperdício sistemático, que é próprio do capitalismo. Para evitar as mudanças necessárias, dobram as apostas enquanto o relógio corre contra elas, já que o tempo disponível para reverter as emissões não se conta em séculos, mas em décadas. Enquanto isso, empresas e governos evitam adotar - ou adotam de maneira muito tímida - as medidas necessárias para preservar o planeta. A vitória de Trump apenas piorou ainda mais o quadro.

As mudanças que são necessárias não são apenas, nem principalmente, as mudanças de postura individual, que uma certa consciência ecológica difusa ensina para as crianças na escola - reciclar a latinha, proteger a árvore, fechar a torneira. São transformações estruturais, que atingem elementos centrais da ordem capitalista: a primazia do lucro, a soberania do proprietário individual, o ethos aquisitivo. A ameaça representada pela mudança climática deixa clara a irracionalidade de um sistema em que as vidas de todos são determinadas pelas decisões de uns poucos. Como dizem os muitos especialistas ouvidos por Klein, o desafio principal não é tecnológico, é político.

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