Não é fenômeno, mas uma necessidade histórica
Ricardo Boechat, o jornalista que não sabe se morde ou assopra, beija ou cospe, abraça ou empurra, põe ou tira, mais em cima do muro que gato em quintais com cachorros, classificou o Lula como “fenômeno”.
Não, não é. Fenômenos são alterações de estado ou de natureza.
E porque o epíteto, “fenômeno”, erradamente aplicado a Lula?
Lula sofreu e sofre o maior bombardeio que um homem já sofreu em nossa história.
Nem com o corpo da mulher sendo velado numa capela deram-lhe refresco, nem mesmo quando cancerado, em quimioterapia, as vozes da calúnia, da injúria e da difamação calaram-se.
Por uma pressão muito menor Getúlio suicidou-se.
Contra Lula não bastaram os partidos de oposição se unirem, mas as próprias instituições: Polícia Federal, Ministério Público, AGU, PGR, e o Judiciário quase que como um todo, desde um juizado de primeira instância, a menor, até o STF, a suprema corte, com a maior cobertura midiática já vista, na busca da sua criminalização, da desconstrução da sua imagem.
Isto no plano interno, porque no externo todos os serviços de inteligência ligados à OTAN buscaram “queimar” o ícone da vez, buscando contas bancárias no exterior, imóveis, empresas off-shore, encontrando nos nomes dos seus detratores, mas não nos dele, e isso porque após a morte de Fidel e Mandela, Lula e Maduro são as pedras na chuteira do império, que não os perdoa.
Ver Lula preso, com uma prova definitiva, insofismável, conclusiva, contra ele, foi o que buscaram, durante os três últimos anos, em vão, infrutiferamente.
Tudo isto poderia ser a razão de Boechat chamar Lula de fenômeno, mas não é só.
O Brasil conheceu cinco momentos de crescimento acima da média: com Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, João Goulart, período inicial da Ditadura Militar e Luiz Inácio Lula da Silva.
Getúlio pegou um país quase feudal, agrícola e com trabalho semi-escravo. Estabeleceu as leis trabalhistas e deu passos na criação da infra-estrutura que possibilitaria a industrialização do país.
Juscelino aproveitou-se do ciclo desenvolvimentista que sucedeu a Getúlio e atraindo capital multinacional para o país, consolidou a nossa industrialização, além de desenvolver a construção civil nacional, com a construção de Brasília (foi nessa época que nasceram as grandes empreiteiras que a Lava Jato está destruindo).
Até aqui o modelo social-econômico do país era o capitalismo clássico.
Jango percebeu que o país estava maduro para uma guinada à esquerda, para a partilha: criou o décimo terceiro salário, quase dobrou o poder de compra do salário mínimo e estabeleceu as chamadas reformas de base, onde estavam a reforma agrária, a reforma do solo urbano e a participação dos empregados nos lucros das empresas.
Note-se que nada havia aqui de socialismo, Jango, ao lado de Brizola, ligado à social democracia alemã, buscava um modelo social democrata nacional, nosso.
Veio o golpe militar e logo um forte crescimento, resultado do investimento maciço dos Estados Unidos, por causa da garantia de retorno do investido, com lucros imensos, e na tentativa de estabelecer aqui uma espécie de gendarme da região, como Israel no Oriente Médio.
Se o país chegou a crescer em índices maiores que os chineses, foi o período de maior concentração de renda da nossa história, com os maiores extremos do planeta, miseráveis absolutos, morrendo de fome e sede, principalmente no Nordeste, e uma burguesia riquíssima, no fausto, fato que veio a se repetir, em menor escala, no governo FHC.
Chegou Lula e pegou um país que caiu de oitava para décima sexta economia do planeta, nos oito anos anteriores, com um salário mínimo de menos de cem dólares, dívida com o FMI... E começou a trabalhar.
Paradoxalmente, enquanto os petistas tocaram o pau no trabalhismo getulista, na prática o que Lula fez foi ressuscitar o modelo social democrata pretendido por Jango, agora exitoso, entre o capitalismo e o socialismo, com partilha de renda sem prejuízo do capital financeiro, que lucrou como nunca.
Resultado: PIB multiplicado por cinco, poder de compra do salário mínimo quase triplicado, reservas cambiais multiplicadas por oito, economia voltada para o mercado interno, programas sociais... Que teve como resultado quatro vitórias eleitorais consecutivas.
E, como em 64, a burguesia e o capital multinacional reagiram, veio o golpe.
Só que os golpistas de agora chegaram com tanta sede ao pote que estão impondo a miséria de uma maneira muito rápida, o desmonte da economia com tanta pressa, a entrega do país de maneira tão radical que o povo começa a se dar conta de que era feliz e não sabia.
Por isso os resultados das duas últimas pesquisas de intenções de votos, dando Lula vitorioso logo no primeiro turno, em qualquer cenário de adversários, com 45% e 47%, respectivamente.
E aqui o erro de Boechat: Lula não é um fenômeno.
Como afirmei, fenômenos são alterações de estado ou de natureza, e Lula é o mesmo.
O fenômeno aqui está no povo, que está mudando rapidamente, disposto a gritar Lula lá, novamente, não por ele ser um fenômeno, mas uma necessidade histórica.